09 janeiro 2012

Complexidade humana.

"O pensamento não parte de uma origem, de uma intenção, do eu, ou da consciência, mas resulta de uma guerra, de um confronto plural e instável entre redes de sentido e complexos campos de forças. A linguagem é uma ordenação do múltiplo, um processo de simplificação para efeito de comunicação e acordo, mas que repousa sempre sobre o caos, sobre o excesso; há sempre um caos de sentido ao redor de tudo que é dito. Pensar é impor sentido, algum sentido, ao excesso. O homem, em todos os sentidos e perspectivas, está submetido à vida, é produto da exterioridade, por isso não é uma unidade estável, mas uma eterna luta contra e ao mesmo tempo a favor de si mesmo; somos uma multiplicidade, um fluxo, uma tensão de forças."

Viviane Mosé, em "O Homem que Sabe", p. 128 e 129, ed. Civilização Brasileira.

07 novembro 2011

Almodóvar em expansão.

Fui ver “A Pele que Habito” e achei o filme excelente. Li algumas críticas - muito bem embasadas, por sinal - e percebi que elas divergem bastante. Quem assiste a um filme do Pedro Almodóvar já sabe que ele vai usar um bocado de elementos diferentes para incomodar o expectador com aquele seu estilo irreverente de mostrar o lado tão humano quanto animalesco da nossa espécie.

Só que dessa vez ele me pareceu ainda mais ousado e mais inteligente. Isso não quer dizer obrigatoriamente que o famoso cineasta espanhol tenha sido perfeito, mas chegou bem perto disso. Foi uma grande sacada usar a ciência moderna - com a criação de uma pele transgênica e as questões éticas que envolvem o assunto - mais como título atrativo e pano (ou pele) de fundo do que como foco da história.

Ter a pele como tema deu uma ênfase quase pleonástica à plasticidade do filme. Serviu de elemento de ligação entre aparência, estética, obsessão e a fotografia impressionista sempre presente nos filmes do Almodóvar. O azul e o vermelho falaram mais alto, não sei se tão de propósito quanto parecia ou se foi minha cisma que os viu tão destacados. Viajei até numa possibilidade maniqueísta de essas cores representarem o venoso e o arterial, o nobre e o plebeu, o céu e o inferno e o bem e o mal. Pura viagem, admito.

O suspense, mais explorado desta vez, esteve amparado por uma ótima trilha sonora. A cronologia dos acontecimentos foi bem calculada para costurar a trama e cada fio encontrou sua respectiva meada até o final do filme. Que eu percebesse, nada ficou no ar e a coerência – almodovariana, obviamente – pôs todos os pingos nos is.

Apesar de haver opiniões controversas sobre “A Pele que Habito”, há unanimidade quanto à brilhante atuação do Antônio Banderas. Se o polêmico Almodóvar não conseguiu satisfazer a contento todos os públicos, coube então ao protagonista cumprir com maestria o dever de encarnar uma das características que mais nos torna humanos: a ambiguidade.

12 outubro 2011

A tirania da liberdade de expressão

Hoje eu estava lendo algumas matérias sobre a - quase certa - saída do Rafinha Bastos da Band, por conta de umas piadinhas infames que ele fez sobre pessoas famosas. Aí comecei a pensar na questão de como temos lidado com a tal da "liberdade de expressão".

Convivemos com uma barafunda de conceitos distintos e ambíguos. Houve um tempo em que aprendemos que era feio julgar os outros e, de repente, temos que usufruir o direito - duramente adquirido, diga-se de passagem - de dizer livre e inconsequentemente o que pensamos, numa espécie de folia do superego.

É moderno falar o que vai na cabeça, mesmo que esses pensamentos incluam opiniões aviltantes que guardamos sobre os outros. Então, não ter mais travas para emitir julgamentos sobre atitudes alheias não é mais errado, é vanguarda. E a contradição vai além. Temos também que reprimir a violência, com manifestações anti-homofóbicas e protestos contra a opressão daqueles que são vítimas de atitudes tiranas e exclusivas. E se somos agressivos e causamos constrangimento em nome dessa quase obrigação de dizer o que pensamos? Existe, então, uma exceção para usar a brutalidade? Ou a violência verbal virou coisa do passado?

Estamos nos tornando escravos e opressores, e também bandidos e vítimas dessa liberdade. A falta de limites gera pessoas imaturas e despreparadas para contribuir positivamente na sociedade. Se cabe aos pais impor limites na educação dos filhos, cabe a sociedade, fragmentada por grupos de concepções diferentes, discutir sobre o certo e o errado. E definí-los.

Não acredito que uma comunidade seja tirana porque impõe limites e determina um norte, inclusive para a liberdade. No entanto, tenho medo de uma sociedade permissiva demais. Sem o estabelecimento de um referencial sobre o que acrescenta e o que prejudica a coletividade, não haverá amadurecimento. Aceitar a violência verbal, respaldando-a sob o álibi da livre expressão, significa que somos coniventes com a brutalidade.

Alimento a esperança de que vivemos uma fase agitada, um momento tumultuado de passagem e que há uma delimitação de valores nos aguardando mais adiante. Torço pela retomada da ética e pelo resgate da inegável necessidade de que não existe vida social saudável fora do respeito pelo outro. Mas, por enquanto, vamos amargando a espera angustiante e a incerteza um tanto sombria sobre o triunfo do bem.

21 junho 2011

Da delicadeza do amor incondicional.

Lançar para o alvo amado, nas nuvens, um querer bem que não cabe em lugar algum. Dispensar guarda-chuva ou capacete que possam proteger da chuva de pedras, de pétalas ou do nada. Ensopar-se de completude.

10 junho 2011

Da delicadeza do elogio.

É encantador o momento que há entre a percepção do que ou de quem se admira até a decisão de se fazer um elogio. Saber da existência desse instante tão doce quanto passageiro é mais envolvente do que a declaração em si.

30 maio 2011

Sobre o livro "Por uma vida melhor", adotado pelo MEC.

Eu não sou educadora, atuo na área da saúde, mas senti vontade de meter o bedelho nesse assunto tão polêmico sobre o trecho do livro “Por uma vida melhor”. Eis o referido trecho e, em seguida, o que penso sobre o assunto:

"Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar ‘os livro’?” Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião."

A reflexão da professora Heloísa Ramos sobre as variedades da língua portuguesa existentes em nosso país tem um valor importante para as relações sociais, principalmente por ela abordar a desigualdade linguística de forma respeitosa, contribuindo no combate ao preconceito e à intolerância. No entanto, a aplicação prática dessa reflexão pode confundir e até dificultar o entendimento de quem está sendo alfabetizado, mas talvez ainda não devidamente maduro para absorvê-la.

Embora eu possa parecer conservadora ou um tanto intransigente, creio que o discernimento seja fruto do conhecimento. Primeiramente o indivíduo precisa ser alfabetizado, depois deve acumular conhecimento e só então ele se tornará apto a distinguir as variantes de um determinado assunto e, consequentemente, a decidir com bom senso a melhor forma de aplicá-las nas diferentes situações. Ainda que a autora não tenha tido a intenção de defender o uso errado do português, ela se precipitou ao introduzir o conceito de pluralidade linguística dentro de um livro de alfabetização, antecipando e acelerando, assim, um processo de compreensão que, a meu ver, deveria ser mais gradativo.

A questão do preconceito linguístico também é delicada e me pareceu contraditória dentro desse contexto. Se é ensinado ao aluno que o uso da norma culta da língua portuguesa é uma ferramenta importante de ascensão social, isso significa que em algum momento da vida o não uso desta norma implicará alguma forma de exclusão. Portanto, aprender na escola que as variantes são permitidas e, mais tarde, deparar-se com um mundo competitivo, seletivo e que exige o uso do português culto como uma condição fundamental para se alcançar uma posição social mais digna, pode gerar um contrassenso de ideias com consequências, no mínimo, constrangedoras.

15 novembro 2010

O poder mau.

Apontar e condenar erros alheios, que poderiam ser cometidos por pessoas de bem, é falta de ética. Agir com classe e educação quando se trata de mau-caratismo é barulho surdo. Enquanto existir falta de dignidade e de honestidade de um lado, haverá quem se insurja contra essa indecência do outro lado.

Todo o problema reside no poder: quem estiver em condição de dominância vai usar de seus meios poderosos e escusos para atingir os vulneráveis. Lamentavelmente, muitos dos que são influentes têm caráter duvidoso e falta de decoro. Consequentemente, as pessoas de bem, vulneráveis, pagam injusta e covardemente pelo simples fato de querer fazer valer o compromisso com a verdade.

31 agosto 2010

Quando talvez é preciso...



Viajante
Teresa Tinoco


Eu me sinto tolo como um viajante

Pela tua casa, pássaro sem asa, rei da covardia
E se guardo tanto essas emoções nessa caldeira fria
É que arde o medo onde o amor ardia
Mansidão no peito trazendo o respeito
Que eu queria tanto derrubar de vez
Pra ser teu talvez, pra ser teu talvez
Mas o viajante é talvez covarde
Ou talvez seja tarde pra gritar que arde no maior ardor
A paixão contida, retraída e nua
Correndo na sala ao te ver deitada
Ao te ver calada, ao te ver cansada, ao te ver no ar
Talvez esperando desse viajante
Algo que ele espera também receber
E quebrar as cercas que insistimos tanto em nos defender
Eu me sinto tolo como um viajante
Pela tua casa, pássaro sem asa, rei da covardia
E se guardo tanto essas emoções nessa caldeira fria
É que arde o medo onde o amor ardia
Mansidão no peito trazendo o respeito
Que eu queria tanto derrubar de vez
Pra ser teu talvez, pra ser teu talvez

19 abril 2010

Filosofia do Lobo.

"... o apego desesperado ao próprio eu, a desesperada ânsia de viver, são o caminho mais seguro para a morte eterna, ao passo que o saber morrer, rasgar o véu do mistério, ir procurando eternamente mutações em si mesmo, conduz à imortalidade."

Hermann Hesse, em "O Lobo da Estepe", pág.58, ed. Civilização Brasileira.

28 março 2010

Loucura contida.

Sinto que tudo caminha para a coisa não acontecer, porque percebo que a vida vai inserindo acontecimentos espontâneos pelos meus dias. Fica impregnada no ar essa sensação de que não é para ser. Até minha especulação de tentar decifrar motivos escorre pelos poros e pela expiração, como se fosse parte inerente desse leve pessimismo ou talvez dessa quase certeza de que não há exatamente uma conspiração. Mas eu não me entristeço propriamente. Até invisto na coisa, saio um pouco da inércia. No entanto, sou muito ligada a limites e por isso faço uma simbiose com eles, mesclando os que estão além do meu controle com aqueles que já criei.

Mesmo que eu me atire em queda livre, em algum momento vou me apalpar à procura do paraquedas. Deixar acontecer? Não me permito essa liberdade. O colchão que me espera lá embaixo pode não ser macio o suficiente para amortecer meu impacto. Será que é mesmo necessário a gente se esborrachar de vez em quando? Se o colchão for mais macio do que eu supunha, tenho medo de não reconhecer essa maciez e inventar traumatismos que não ocorreram.

Ter consciência disso tudo me faz oscilar entre a paz advinda da comodidade disfarçada de bom senso e a angústia carregada de uma conformidade envenenada pela covardia. Inconsciência deve ser um sonho estável e reservado para o dia em que os limites saírem de férias. E de mim.