24 maio 2009

Milton Hatoum, em desordem cronológica.

A obra dele deve ser lida assim: primeiro "Órfãos do Eldorado", que é linear, de frases curtas e que introduz o leitor no espírito amazônico, abordando os mitos que se emaranham na história familiar do personagem-narrador. São poucos os personagens e eu o considerei como uma cartilha, uma espécie de manual de instruções para o que vem adiante. Depois o leitor deve se deliciar com "Relato de um Certo Oriente", onde a linguagem metafórica exalta a beleza da história como uma pintura impressionista que nos embala, fazendo-nos decolar e planar n'algum lugar entre o céu e a terra.

Já em "Dois Irmãos" a experiência de leitura é bem mais carnal e nos suga para as entranhas da miséria lá nos recônditos dessa nossa alma miúda. A disputa e o ódio vivido entre os dois irmãos, envolvendo a família e as relações sociais, mostram com requinte e precisão de gente grande o quanto há de sórdido e selvagem na existência humana. "Cinzas do Norte" é ainda mais requintado, com seus personagens bem mais marcados às custas da mediocridade do personagem-narrador, que aqui apresenta uma insignificância conveniente, com o vantajoso propósito de servir de exímio espectador dos interesses, amores, cenários ampliados e trabalhada ambientação de uma terra distante e viva. A cronologia baila mais nesse romance e as cartas inseridas no texto criam uma teia narrativa interessante, enriquecida e madura.

Por ironia, li os quatro romances exatamente na ordem citada acima, só que de forma invertida. Adoraria ter lido na sequência que sugeri e ir mergulhando na profundidade dos personagens e no amadurecimento que vi surgir tanto na forma quanto no contexto das obras. Os quatro livros podem até ser bem semelhantes entre si aos olhos de um leitor mais desatento ou, contrariamente, mais crítico que eu... vai saber? Essa coisa de ver além ou aquém do talento de uma pessoa, de um escritor, no caso, é pessoal, depende de conhecimento técnico e também de estado de espírito. Como me falta o primeiro, sei que dou conta de falar do segundo. Portanto, permito-me dizer sem medo nem retenção que Miltom Hatoum é um grande romancista. Manaus se tornou mais "existente" para mim. Estive lá com a respeitável intensidade de quem humildemente se dá ao luxo de sentir, mas jamais saberia relatar geografias, suores, amores, horrores, odores e transcendências numa viagem lenta e úmida como a que ele foi tão capaz de me fazer embarcar.