23 agosto 2009

Historinha íntima.

Existe algo exclusivo de uma decisão não sustentada: a agonia de saber que amanhã ainda será o primeiro dia do começo de uma nova tentativa. Não vou mais beber, não vou mais fumar, não vou mais comer doces, não vou mais voltar para aquela pessoa que evoca meus conflitos... Logo, pensamos. Aí é que está o problema: há sempre a voz do “seja firme e vá em frente” e aquela outra vozinha do “poxa, mas será que tem que ser duro assim mesmo?”.

A segunda voz, a do diminutivo, nem sempre aparece em seguida. Ela é amiga do desejo, da vontade. Ganha força sempre que a primeira voz, a que se acha absoluta, fica atônita ao dar de cara com a tentação. Surge uma sensação de impotência tão forte para a voz, que o inexplicável se oferece rapidamente para servir de falso álibi. E esse oportunista tem um poder de persuasão tão impressionante quanto fugaz. Ele consegue, numa manobra astuta, jogar a voz para trás com uma de suas mãos e fazer um gesto largo, lento e suave com a outra mão, sinalizando claramente que dá passagem à vozinha.

A voz sofre e espera. O inexplicável acaba ficando zonzo com a tagarelice da vozinha e perde as forças. Volúvel, vira as costas para tentação e zarpa sem fazer cerimônia. Nessas horas, a culpa emerge como uma flecha, inverte o jogo e entra no lugar do inexplicável. Violenta, lança a vozinha para longe com uma das mãos e dá um murro na inimiga tentação com a outra mão. O mandato da culpa é sóbrio, austero. Faz um julgamento duro e impiedoso da tentação, porque não sabe avaliar com imparcialidade a ré, que recebe condenação só por existir!

A voz, que a essas alturas está meio perdida e passada para trás, tenta fazer acordo com a culpa e, se for bem sucedida, reaparece lenta, ampla e sem o jeitão autoritário da outra parte. Fala pausadamente sobre sensatez, mas sabe da alegria e da utopia de conseguir ser definitivamente convincente. No entanto, se não houver acordo, a culpa se torna vitalícia e implanta o totalitarismo. Tirana, aniquila a desfaçatez do inexplicável, o carnaval da tentação, a anarquia da vozinha e a pacificação da voz.

E aí? É o fim de tudo? Claro que não! A insurreição não é exclusividade de outros impérios. O da culpa também é alvo de batalhas perdidas ou vencidas, nem que seja só por hoje. Pelos demais amanhãs, a guerra continua.